Faz tempo que percebi que, na vida, algumas coisas simplesmente acontecem porque têm que acontecer. Uma sequência de eventos aparentemente aleatórios que, no fim das contas, te colocam exatamente onde você deveria estar, na hora certa.
Alguns chamam de destino, outros de sincronicidade. Eu prefiro chamar de deixar a vida te surpreender.
E, dessa vez, a surpresa foi grande: ter um encontro com ninguém menos que Evandro Teixeira, um dos maiores fotojornalistas da história do Brasil.
Mas calma, vamos por partes.
Um Almoço Com História (Literalmente)
Eu faço parte do Verde Oliva, um grupo de reencenadores históricos focado na Segunda Guerra Mundial. Pesquisamos fatos, marcos históricos, personagens importantes, objetos e até mesmo a moda e o design dos uniformes.

Sim, uniformes de guerra não são só pedaços de pano costurados ao acaso. Cada detalhe tem um propósito, desde a escolha do tecido até o corte, que pode transmitir força, poder e até medo. Tem psicologia, estratégia e um baita estudo por trás disso – estudantes de moda, sintam-se à vontade para confirmar ou me corrigir.
E, antes que alguém pergunte: por motivos óbvios, nosso foco é apenas nas forças aliadas. Se isso te deixou confuso, talvez seja uma boa ideia revisitar os capítulos do seu livrinho de história. Ou melhor, apareça em um dos nossos eventos para entender de perto ;D
Nós vestimos uniformes da época – às vezes peças originais, às vezes réplicas – e organizamos exposições com objetos históricos ou reconstituições de eventos. É uma forma de manter viva a memória do que aconteceu, porque história não deve ser esquecida (nem reescrita por quem não fez a lição de casa).
De tempos em tempos, nos reunimos em algum ponto histórico do Rio de Janeiro e em julho do ano passado, combinamos um encontro no Sobrado da Cidade, um restaurante que já existia antes mesmo da invenção da luz elétrica e que ainda preserva sua arquitetura original. Um casarão de 1865, com paredes feitas de óleo de baleia, pedras e azulejos holandeses. O cenário perfeito para mais um encontro.

Chegamos lá de uniforme, prontos para um evento tranquilo, e demos de cara com um encontro de fotógrafos amadores expondo seus trabalhos bem na porta do restaurante. Acabamos nos tornamos uma atração, afinal, não é todo dia que se vê “soldados” da Segunda Guerra caminhando pelo Centro do Rio de Janeiro.
Foi então que um deles, com aquele inglês de quem achava que éramos gringos perdidos, se aproximou e soltou:
— Where are you from?
Meu marido, com a paciência de quem já respondeu isso algumas vezes, disparou:
— Somos daqui mesmo, do Rio.
A cara de choque do homem foi impagável. Logo, outros se juntaram, curiosos para entender o que estava acontecendo. E durante a conversa, um senhor muito simpático e com um olhar afiado de quem já viu muita coisa se aproximou.
Era Evandro Teixeira.
Quem?!
O Fotógrafo Que Documentou a Ditadura
Na hora, confesso, não reconheci o nome. Mas se você prestou atenção nas aulas de história, principalmente ao estudar a Ditadura Militar no Brasil, já viu o trabalho dele. E que trabalho!

Evandro Teixeira foi um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro. Ganhador de inúmeros prêmios, capturou, quase sempre em preto e branco, momentos cruciais da segunda metade do século 20.
Durante a Ditadura Militar, registrou eventos como o golpe de 1964 e a Passeata dos Cem Mil em 1968. Para escapar da repressão, ele se disfarçava de oficial sem farda e escondia os filmes das câmeras na meia, evitando que fossem confiscados.

“Tirei o filme da câmera, botei na meia. Na saída, tive que mostrar a câmera, mas já estava com o filme escondido.”
Ele também documentou a ocupação do Forte de Copacabana e viajou ao Chile para registrar os horrores do golpe militar que derrubou Salvador Allende em 1973. Suas lentes eternizaram momentos como a despedida de Pablo Neruda, o adeus a Pelé e Ayrton Senna, além da visita da Rainha Elizabeth e do Papa João Paulo II ao Brasil.

Se a história tem olhos, foram os de Evandro Teixeira que testemunharam e gravaram alguns dos seus momentos mais intensos.

A Foto Que Nunca Recebemos
Depois de um bom papo, entramos no restaurante. Foi então que Evandro puxou sua câmera e, com aquele olhar treinado, pediu para tirar uma foto nossa.
Foi aí que entramos no estágio avançado do surto coletivo.
A gente estava embasbacado. Um ícone da fotografia brasileira, um homem que documentou uma parte da História, estava ali, diante de nós, curioso sobre o nosso trabalho.
E, Evandro Teixeira quis tirar uma foto da gente.
— Meu Deus, isso está mesmo acontecendo?
Alguém anotou meu e-mail para me enviar depois. Mas a foto nunca chegou. E, alguns meses depois, infelizmente Evandro Teixeira faleceu, em 4 de novembro de 2024 deixando um eterno legado para a história do Brasil.

A História Se Escreve Nos Pequenos Momentos
No meio de tudo isso, eu só conseguia pensar na Amanda de 15 anos. Aquela que amava as aulas de história, que ficava indignada com os absurdos da Ditadura Militar, que passava as aulas do Marcelão (meu querido professor) tentando imaginar como seria ter vivido aquilo.
E então, muitos anos depois, eu me encontro com um dos homens que documentaram tudo isso.
No final, meu marido soltou uma frase que ficou na minha cabeça:
“Às vezes, não acredito nos encontros que esse hobby nos proporciona.”
Nem eu.
Em agosto, haverá um grande evento de reencenadores em Vinhedo. No começo, eu não estava muito animada para ir. Mas depois de lembrar desse dia, decidi que não vou perder isso por nada.
O que mais pode estar nos esperando no caminho?
Se quiser acompanhar mais sobre reencenação histórica, segue lá o Verde Oliva no Instagram @instaverdeoliva Vou deixar aqui algumas fotos desse dia.










Obrigado por ler Atenciosamente, Amy🤍!
- Quando a História nos Observa - 24 de março de 2025